Des-memorial
(Carajás Niemeyer)
projeto de monumento (desenhos, vídeo, modelagem 3d)
português
2008
o ato de destruir, assim como o ato de construir, sob o signo to "patrimônio." que memória a destruição comemora?
In 2008 I took a long bus ride from São Paulo to Marabá, Pará, in search of the “Eldorado Memória” monument designed by architect Oscar Niemeyer to remember the Eldorado dos Carajás Massacre, which took place on April 17, 1996. During a protest of thousands of landless workers, nineteen peasants were brutally murdered by state forces on the so-called “Curva do S” of the PA-150 highway, in the municipality of Eldorado dos Carajás, about 100 km south of Marabá. Niemeyer designed the project months later, and soon the monument set out on a pilgrimage along the Transbrasiliana highway, from Brasília to Marabá. On the way he crossed MST settlements and camps, where he was received with mourning and remembrance rituals. After days crossing the hinterlands, on September 7, 1996, the monument was implanted in Marabá, in the center of a large roundabout between Transbrasiliana and Transamazônica, the heart of the violent national-colonial border. Two weeks later, at dawn, the monument was destroyed by a group of landowners. It is said that they used chains - the same ones they use to deforest forests - tied to the base of the structure and pulled by tractors until their collapse. At the center of the roundabout today there is a lamppost. Until then, he was unaware of any image of the monument, except Niemeyer's sketches - a large, slender rectangular block, probably made of reinforced concrete and painted in white, about twenty meters high, mimicking the figure of a rural worker with a plow in hand. At the base, in large typography, the phrase "the land is also ours." My trip followed the path of the monument, documenting this Trans-Brasilian landscape with an improvised camera. In the place of the memorial I found an emptiness, an absence, erasure, a dis-memory. Talking to Isabel, I saw only an image of the monument, a blurred photograph of its ruins.
Em 2008 fiz uma longa viagem de ônibus de São Paulo à Marabá, no Pará, em busca do monumento “Eldorado Memória” desenhado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para recordar o Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996. Durante um protesto de milhares de trabalhadores sem-terra, dezenove camponeses foram brutalmente assassinados por forças do Estado na chamada “Curva do S” da rodovia PA-150, município de Eldorado dos Carajás, a cerca de 100 km ao sul de Marabá. Niemeyer desenhou o projeto meses depois, e logo o monumento partiu em peregrinação pela rodovia Transbrasiliana, desde Brasília até Marabá. No caminho cruzou assentamentos e acampamentos do MST, onde foi recebido com rituais de luto e lembrança. Após dias atravessando os sertões, no 7 de setembro de 1996, o monumento foi implantado em Marabá, no centro de uma grande rotatória de entroncamento entre a Transbrasiliana e a Transamazônica, coração da violenta fronteira nacional-colonial. Duas semanas depois, na calada da madrugada, o monumento foi destruído por um grupo de latifundiários. Diz-se que usaram correntes – as mesmas que usam para desmatar florestas – amarradas na base da estrutura e puxadas por tratores até seu colapso. No centro da rotatória hoje existe um poste de luz. Até então desconhecia qualquer imagem do monumento, a não ser esboços de Niemeyer – um grande e esguio bloco retangular, provavelmente feito em concreto armado e pintado na cor branca, com cerca de vinte metros de altura, mimetizando a figura de um trabalhador rural com um arado na mão. Na base, em grande tipografia, lê-se frase “a terra também é nossa.” Minha viagem seguiu o percurso do monumento, documentando esta paisagem transbrasiliana com uma câmera improvisada. No lugar do memorial encontrei um vazio, uma ausência, apagamento, uma des-memória. Conversando com Isabel, vi apenas uma imagem do monumento, uma fotografia desfocada de suas ruínas.
Desenho de Oscar Niemeyer para o monumento
Isabel Lopes, liderança MST - Marabá, com uma imagem dos destroços do monumento
DES-MEMORIAL
(project)
The destruction of the monument-object designed by Oscar Niemeyer suggests another monument, one that manifests both memory and erasure, remembrance and oblivion, a presence that is at the same time absence, emptiness that in itself is monumental. This other monument, which is present even though it does not actually exist, has a ghostly presence, is made of a sharp cut in the landscape, an excavation of the void in the volumetric proportions of Niemeyer's original project. It marks a non-presence in public space and in collective memory, the construction-destruction of architecture as a document. At the base of the monument the scripture reads:
“THE LAND IS ALSO OUR”
On September 22, 1996, the monument “Eldorado Memória” that was in this place was destroyed in a gesture of violence against landless peasants. Designed by architect Oscar Niemeyer, the monument recalled the Eldorado dos Carajás Massacre, which took place on April 17, 1996, when nineteen peasants were brutally murdered by state armed forces. The current monument here, a great void that occupies the same volume as Niemeyer's project, recalls both the presence and the absence of the original monument - construction and destruction as material and symbolic memory of architecture. This emptiness reminds us of the tragic massacre at the same time that it registered its erasure, continuous acts in the long history of violence that marks the agrarian issue in Brazil.
DES-MEMORIAL
(projeto)
A destruição do objeto-monumento desenhado por Oscar Niemeyer sugere outro monumento, um que manifeste tanto memória como apagamento, lembrança e esquecimento, presença que é ao mesmo tempo ausência, vazio que em si mesmo é monumental. Este outro monumento, que está presente ainda que não exista concretamente, uma presença fantasmagórica, é feito de um brusco recorte na paisagem, uma escavação do vazio nas proporções volumétricas do projeto original de Niemeyer. Demarca uma não-presença no espaço público e na memória coletiva, a construção-destruição da arquitetura como documento. Na base do monumento lê-se a escritura:
“A TERRA TAMBÉM É NOSSA”
No dia 22 de Setembro de 1996, o monumento “Eldorado Memória” que estava neste local foi destruído num gesto de violência contra camponeses sem terra. Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o monumento relembrava o Massacre de Eldorado dos Carajás, que ocorreu no dia 17 de Abril de 1996, quando dezenove camponeses foram brutalmente assassinados por forças armadas do Estado. O atual monumento aqui presente, um grande vazio que ocupa o mesmo volume do projeto de Niemeyer, relembra tanto a presença quanto a ausência do monumento original – construção e destruição como memória material e simbólica da arquitetura. Este vazio nos faz recordar o trágico massacre ao mesmo tempo que registra seu apagamento, atos contínuos na longa história de violência que marca a questão agrária no Brasil.
renderizações do monumento Des-memorial